Um desabafo

 

“Alguém já presenciou a morte de um indivíduo? Alguém quer contar alguma experiência que teve?”

Silêncio na turma, mas vozes … muitas vozes gritavam em meu interior

As vozes das vivências que já tive

Das mortes que já presenciei - rostos surgem

Dos familiares que vi rasgando suas gargantas em choro e desespero 

Das mais diversas situações que apesar da emoção querer me embalar

Simplesmente tive que travar os dentes, fazer uma respiração profunda e tecnicamente agir

Como é duro chegar em uma ocorrência e já ver que a vítima está morta 

Sentir seu corpo ainda quente sem vida 

Sentir o cheiro da morte que já chegou

É … A morte tem cheiro e eu já reconheço bem

Mas é ainda mais duro presenciar os últimos suspiros de alguém, bem ali na sua frente 

Diante dos seus olhos

Sempre vem o questionamento: algo diferente poderia ter sido feito? 

Não tem como não pensar nisso… Não tem como … 

Não tem como … apesar de ter oferecido o seu melhor 

Não tem como … 

O início foi pesado demais 

Presenciar os mais diversos tipos de mutilações 

Presenciar a condição de um ser humano esmagado por toneladas de cerâmica 

Ver a morte chegar no caminho para o hospital 

E não poder fazer nada … 

É pesado demais…

Presenciar resultados das fatalidades

Presenciar as consequências da imprudência 

Lá se foram meses convivendo com flash’s 

Lá se foram travesseiros molhados 

Lá se foi o coração apertado 

Diante de tantas situações que mexeram comigo 

Eu me pergunto se já aprendi a conviver com tudo isso… 

Procuro, mas não encontro a resposta

Quero acreditar que sim

Só sei que ...

As expressões do meu rosto desapareceram 

Controlar a respiração é um grande aliado

Lembrar da minha função bloqueia qualquer paralisia 

E depois … é só tentar esquecer!